A HERMENÊUTICA DE ATOS I
O Problema do Precedente Histórico na Hermenêutica de Atos

de Gordon Fee e Douglas Stuart

Conforme foi notado anteriormente, nossa preocupação aqui diz respeito a uma só pergunta. Como as narrativas individuais em Atos, ou qualquer outra narrativa bíblica, quanto a isto, funcionam como precedentes para a igreja posterior, ou são precedentes? Ou seja: o Livro de Atos tem uma Palavra que não somente descreve a igreja primitiva como também fala como uma norma para a igreja em todo tempo? Se houver semelhante Palavra, como a pessoa a descobre ou estabelece princípios para ajudar a escutá-la? Senão, então o que fazemos com o conceito do precedente? Em resumo, exatamente qual papel, que o precedente histórico desempenha na doutrina cristã ou na compreensão da experiência cristã?

Deve ser notado de início que quase todos os cristãos bíblicos tendem a tratar o precedente como sendo autoridade normativa até algum determinado ponto. Mas é raramente feito com consistência. Do outro lado, as pessoas tendem a seguir algumas narrativas como sendo as que estabelecem padrões obrigatórios, ao passo que negligenciam outras; do outro lado, às vezes tendem a fazer um padrão mandatório, embora haja uma complexidade de padrões dentro do próprio livro de Atos.

As seguintes sugestões não são propostas como absolutas, mas espero que ajudem você a lidar com este problema hermenêutico.

Alguns Princípios Gerais

A pergunta hermenêutica crucial aqui é se as narrativas bíblicas que descrevem aquilo que aconteceu na igreja primitiva, também funcionam como normas que pretendem delinear o que deve acontecer na vida contínua da igreja. Há exemplos em Atos acerca dos quais podemos dizer apropriadamente: “Devemos fazer isto,” ou devemos meramente dizer: “Podemos fazer isto”?

Nossa suposição, juntamente com muitas outras, é que a não ser que a Escritura explicitamente nos mande fazer alguma coisa, aquilo que é meramente narrado ou descrito nunca pode funcionar de modo normativo. Há boas razões para fazermos esta suposição.

De modo geral, declarações doutrinárias derivadas da Escritura dividem-se em três categorias: (1) a teologia cristã (aquilo que os cristãos acreditam), (2) a ética cristã (como os cristãos devem comportar-se), (3) a experiência ou a prática cristã (aquilo que os cristãos fazem). Dentro destas categorias poderíamos distinguir, ainda, dois níveis de declarações, que chamaremos de primário e secundário. No nível primário há aquelas declarações doutrinárias derivadas das proposições explícitas ou imperativos da Escritura (i.e., o que a Escritura pretende ensinar). No nível secundário há aquelas declarações derivadas apenas incidentalmente, por implicação ou por precedente.

Por exemplo: na categoria da teologia cristã, declarações tais como: Deus é um só, Deus é amor, todos pecaram, Cristo morreu pelos nossos pecados, a salvação é pela graça, e Jesus Cristo é divino, são derivadas de passagens onde são deliberadamente ensinadas, e são, portanto, primárias. No nível secundário há aquelas declarações que são a decorrência lógica das declarações primárias ou que são derivadas da Escritura por implicação. Assim sendo, o fato da divindade de Cris-to é primário; como as duas naturezas concorrem na unidade é secundário.

Uma distinção semelhante pode ser feita no que diz respeito à doutrina da Escritura. Que é a Palavra inspirada de Deus é primário; a natureza exata da inspiração é secundária. Não se quer dizer com isto que as declarações secundárias não são importantes. Freqüentemente, terão aplicação significante à fé da pessoa no que diz respeito às declarações primárias. Realmente, seu valor teológico ulterior talvez se relacione a quão bem preservam a integridade das declarações primárias.

O que é importante notar aqui é que quase tudo quanto os cristãos derivam da Escritura como precedente está em nossa terceira categoria, a experiência ou a prática cristãs, e sempre no nível secundário. Por exemplo, que a Ceia do Senhor deva ser uma prática contínua na igreja é uma declaração em nível primário. O próprio Jesus a ordena; as Epístolas e Atos dão testemunho dela. Mas a freqüência da sua observância, um ponto em que os cristãos diferem entre si, é baseada na tradição e no precedente: decerto não é obrigatória. Esta também, argumentaríamos, é a situação da necessidade do batismo (primário) e do seu modo (secundário), ou a prática de os cristãos “se reunirem juntos” (primário) e a freqüência ou o dia da semana (secundário). Mais uma vez: não se quer dizer com isto que as declarações secundárias não são importantes. Por exemplo, ficamos certamente em dificuldades para comprovar que o dia em que os cristãos se reúnem para o culto deve ser sábado ou domingo, mas em qualquer dos casos a pessoa está dizendo algo de relevância teológica mediante a sua prática.

Em relacionamento estreito com esta discussão há o conceito da intencionalidade. É comum entre nós dizer: “A Escritura nos ensina que…” Usualmente, as pessoas querem dizer com isso que algo é “ensinado” por declarações explícitas. Surgem problemas com isso quando as pessoas passam para a área da história bíblica. Alguma coisa é ensinada simplesmente porque é registrada — mesmo quando é registrada de modo que parece favorável?

É uma máxima geral da hermenêutica que a Palavra de Deus pode ser achada na intenção da Escritura. Esta é uma questão especialmente crucial para a hermenêutica das narrativas históricas. É uma coisa o historiador incluir um evento porque serve ao propósito maior da sua obra, e outra coisa diferente o intérprete entender que aquele incidente tem valor didático à parte da intenção maior do historiador.

[Nas próximas semanas, Deus permitindo, iremos reproduzir nesta seção mais princípios da interpretação dos senhores Fee e Stuart do seu livro “Entendes o Que Lês?”]

Copyright © 1984 Edições Vida Nova. Todos os direitos reservados.
Reproduzido com a devida autorização.

O livro de Gordon D. Fee e Douglas Stuart do qual este texto foi extraído, “Entendes o que Lês?“, pode ser encomendado daEdições Vida Nova
selecionando a capa do livro ao lado:  


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