DIGNO É O TRABALHADOR
DO SEU SALÁRIO
de Álvaro
César Pestana
[Este
texto foi extraido do livro "Provérbios
do Homem-Deus"
Copyright
© 2003 Editora Vida Cristã. Reproduzido com a devida autorização.]
Judas Iscariotes não gostou do "salário"
que recebeu por trabalhar com Jesus. Ele era um daqueles que pensava que
"a piedade é fonte de lucro" (1 Timóteo 6.5). Ele queria
enriquecer. Quando percebeu que não iria fazer fortuna como
"tesoureiro do reino de Jesus" pediu de-missão. Pelos três anos
de serviço "inútil" de pregação do evangelho, ele exigiu uma
"indenização" de trinta moedas de prata, o preço que se
conseguia pela venda de um escravo.
Judas não passou nenhuma necessidade física enquanto
foi enviado por Jesus para pregar o evangelho: todos os obreiros recebiam
cama e comida nas cidades onde pregaram. Mas Judas certamente achava que era
pouco. Ele provavelmente pretendia ganhar como um funcionário do alto escalão
e não viver como um "bóia-fria". Não havia contentamento
naquele coração.
O provérbio que vamos estudar ensina aquilo que Judas
não quis aprender. Qualquer obreiro ou discípulo que não aprender esta lição,
pode estar cometendo o mesmo erro de Judas: pode estar comprando sua própria
sepultura (Mateus 27.3-10).
RECEBER O QUE
MERECE E MERECER O QUE RECEBE
"Digno é o trabalhador do seu salário"
(Lucas 10.7) é um dito de Jesus dirigido aos obreiros do evangelho. Os doze
apóstolos foram encaminhados à missão em Israel com este ditado
(Mateus 10.10)42. Os setenta receberam a mesma recomendação (Lucas 10.7).
Paulo citou duas vezes este dito, uma vez fazendo referência à sua pessoa
e aos obreiros em geral (1 Coríntios 9.14) e outra vez falando
especificamente sobre os bispos da igreja (1 Timóteo 5.18)44.
A forma como o ditado aparece em Mateus 10.10 é um
pouco diferente da que ocorre no outros textos: "Digno é o trabalhador
do seu alimento". O uso do termo "salário" (em Mateus 10.10)
ou "ali-mento" (em Lucas 10.7) não altera o sentido básico do
provérbio.
O sentido deste provérbio é duplo: o obreiro vai
receber o que merece e o obreiro vai merecer o que recebe. Ele vai
receber o que merece no sentido de sua segurança pessoal: ele não vai
morrer de fome. Ele vai merecer o que recebe no sentido de que não há
vergonha nenhuma em ser sustentado: ele é um homem honrado e digno. Ele
merece. Assim o Mestre fala aos obreiros de segurança e honra, liga-das ao
sustento que recebem por pregar o evangelho.
SEGURANÇA
"Preocupe-se com a pregação e não com a provisão".
Este é o sentido das instruções dadas por Jesus aos missionários (Mateus
10.9-11; Lucas 9.3-4) sobre o que não levar na viagem missionária
(Marcos 6.8-10; Lucas 9.3-4). Não era necessário levar suprimentos ou
dinheiro: Deus iria cuidar de tudo. Como? Eles deviam aceitar a
hospitalidade e sustento temporário de uma família da comunidade visitada.
Eles anunciavam a aproximação do reino de Deus e nesta qualidade deviam
ser sustentados pela comunidade de ouvintes "porque digno é o
trabalhador do seu salário" (Lucas 10.7). O obreiro precisa ter fé em
Deus e confiança no valor de sua mensagem para deixar por conta de Deus e
da importância da mensagem a garantia de sustento.
Jesus foi sustentado pelos que o seguiam (Lucas 8.1-3).
Paulo recebeu ajuda (Filipenses 4.10-20) e salário das igrejas (2 Coríntios11.8).
Os evangelistas itinerantes do fim do primeiro século eram auxiliados
materialmente em seu trabalho (3 João 6). Este provérbio de Jesus
recomenda ao obreiro uma postura de fé para que confie no suprimento,
sustento e alimento que Deus vai providenciar.
DESPRENDIMENTO
É importante notar que quando Jesus diz ao obreiro que
ele vai ter o seu alimento, ele ordena ao mesmo tempo um comportamento
desprendido. As recomendações para que não fiquem mudando de local de
hospedagem (Mateus 10.11; Marcos 6.10; Lucas 9.4; 10.7-8) visam proibir a
busca de melhores acomodações e melhor comida. O obreiro deve ficar
contente com o que recebe. Seu alvo é a pregação e não o conforto.
Estes textos tratam de obreiros itinerantes que
viajavam desacompanhados de família, ou por serem solteiros ou por terem
deixado a família em casa (Lucas 18.28). Viajar com esposa certa-mente
traria maiores necessidades (1 Coríntios 9.5). Mas em todos estes casos, o
princípio permanece de que o obreiro não trabalha visando ficar rico, mas
servir a Deus. O contentamento mencionado por Paulo (1 Timóteo 6.6-10) deve
ser a característica do obreiro em relação ao sustento material. O desejo
de ter mais é perigoso e fonte de grandes problemas. O necessário já
basta.
HONRA
"Digno é o trabalhador do seu alimento"
(Mateus 10.10) fala também que este sustento é algo honrado. No mundo
moderno, o sustento obtido no trabalho de evangelização ou de edificação
espiritual não é, normalmente, considerado como algo digno. Jesus, porém,
afirma que não há nenhuma vergonha em ser sustentado para pregar o
evangelho. De fato, é uma honra. Paulo citou este provérbio de Jesus como
Escritura quando falava sobre os dobrados honorários (ou honra) que deviam
ser dados aos presbíteros que trabalham arduamente (1 Timóteo 5.17-18).
Seu sustento é uma forma de prestar-lhes honra, reconhecendo o valor da
obra que fazem.
Devo a Josef Pieper uma interessante consideração
sobre os vocábulos salário e honorário. "O conceito de honorário
afirma que existe uma disparidade entre resultado e recompensa, que a
atividade, como tal, não pode ser paga. O salário, pelo contrário (em
sentido estrito, pelo qual se distingue de honorário), diz que se paga o
`trabalho real' ; o salário está em função do resultado e não existe
incomensurabilidade entre ambos. Honorário, além disto, significa (no
sentido estrito do termo): contribuição para o sustento; salário (no
sentido estrito) significa: o pagamento do serviço prestado, sem respeito
para as necessidades do sustento."
Tomando esta definição de termos, que vem mais da
filosofia do que da Bíblia, pensamos que o obreiro sempre recebe honorário
(no sentido estrito), pois o valor da tarefa de pregar o evangelho nunca
poderia ser pago, mesmo que todo o dinheiro do mundo fosse utilizado.
A honra intrínseca ao trabalho de pregar o evangelho
transparece quando notamos a subordinação dos bens materiais aos propósitos
espirituais. A coleta para os irmãos pobres de Jerusalém (Romanos
15.22-28) é anunciada como se fosse uma dívida da igreja gentílica para
com a igreja judaica. Já que os judeus deram aos gentios participação nas
bênçãos espirituais da salvação, não é pedir demais que os gentios
retribuam materialmente através da oferta. Paulo diz: já que o lado
espiritual é mais importante, os bens materiais podem e devem ser usados
para agradecer aos originadores humanos destes bens espirituais.
A mesma prioridade do espiritual sobre o material se vê
na questão: "Se nós vos semeamos coisas espirituais, será muito
recolher-mos de vós bens materiais?" (1 Coríntios 9.11). O menos
importante serve o mais importante: o material serve o espiritual. Paulo,
neste contexto, lembrou da frase de Jesus: "Digno é o trabalhador do
seu salário" (Lucas 10.7) e disse: "Assim ordenou o Senhor aos
que pregam o evangelho que vivam do evangelho" (1 Coríntios 9.14). Ser
sustentado para pregar o evangelho é um grande privilégio.
"DE GRAÇA
RECEBESTES, DE GRAÇA DAI"
O evangelho e a graça divina nunca se vendem (Mateus
10.8). Apesar do evangelho ser a coisa mais valiosa do mundo e de haver
manda-mento bíblico para o sustento de obreiros, não se trata de vender o
evangelho. A pregação deve ser feita com ou sem recursos (Filipenses
4.10-13). Mas, sem dúvida, o sustento do obreiro auxilia a obra e agrada a
Deus (Filipenses 4.14-19).
O obreiro não deve alimentar ambições de progresso
financeiro ou material. Tais aspirações marcam o caráter de um homem
corrupto (1 Timóteo 6.5). O obreiro autêntico se contenta com o necessário
(1 Timóteo 6.6-8). Afinal de contas ele é um homem que prega sobre o mundo
vindouro; seria ridículo e contraditório se acumulasse bens no mundo
presente. Além disto, o obreiro que corre atrás de dinheiro acaba por
perder a fé (1 Timóteo 6.9-10).
APLICAÇÃO
O provérbio de Jesus, "Digno é o trabalhador
do seu salário", sugere muita aplicações práticas que já foram
notadas acima. Queremos reforçar os seguintes pontos:
1. Honremos aos obreiros que vivem do evangelho.
Gálatas 6.6 diz que o aluno deve fazer o seu professor participar das
coisas boas que ele tem. Isto quer dizer que o aluno "divide" seus
bens com o professor. Não é certo deixar em dificuldades de sustento
aqueles que nos instruem no evangelho. O salário (ou melhor: honorário) do
obreiro deve servir para honrar aquele que o recebe e não ofendê-lo (1 Timóteo
5.17-18). Por isto Gálatas 6.7-10 adverte para não zombar de Deus pela
negligência ao sustento dos professores. Se investimos (semeamos) apenas
nas coisas pecaminosas, só havermos de colher corrupção. Deve-se semear
para o que é ligado ao Espírito Santo, e então teremos os resultados na
vida eterna. Assim, é para fazer o bem a todos, começando com a família
da fé, e no contexto, os primeiros a serem atendidos são os professores da
Palavra de Deus.
2. Não aceite extremos. Num extremo está o
obreiro que não é atendido dignamente pela irmandade. No outro está o
mercenário que muda de igreja em igreja, conforme a melhor oferta de
emprego. Nenhuma destas situações pode ser permitida. Não há nada errado
em ser bem pago pela igreja. De fato, há casos em que isto precisa ocorrer
por mandamento (1 Timóteo 5.17-18). O erro é ter isto como método de
vocacionar obreiros ou como alvo de carreira ministerial. Por outro lado,
sujeitar um obreiro e sua família a uma situação degradante, recebendo o
menor salário possível, é zombar de Deus e incorrer em grave perigo
espiritual.
3. Não se desculpe. Os obreiros não devem
ceder à pressão social que qualifica seu trabalho como desnecessário ou
indigno. Quem acha que o obreiro esforçado e trabalhador é um homem que
ganha sem fazer nada, provavelmente teria feito o mesmo juízo de Jesus, se
tivesse convivido com ele. "Digno é o trabalhador do seu salário/alimento".
4. Um apelo à fé. Pregar o evangelho é o
trabalho mais importante do mundo. A igreja tem o privilégio de mostrar sua
fé no valor do evangelho sustentando financeiramente aqueles que ela mesma
reconhece como vocacionados por Deus para realizar esta tarefa. O obreiro
também deve mostrar sua fé, confiando que Deus vai assegurar-lhe o necessário,
de um modo ou de outro, para que ele continue a pregar a Palavra de Deus.