Pergunta Para a Beira do Desfiladeiro

de Max Lucado

“Como passou a noite?” perguntou a enfermeira.

Os olhos cansados do jovem responderam a pergunta antes que seus lábios o fizessem. Ela fora longa e difícil. As vigílias sempre são. Mas ainda mais quando passadas com seu próprio pai.

“Ele não acordou.”

O filho sentou-se junto ao leito e pegou na mão ossuda que tantas vezes segurara a sua. Ele tinha medo de largá-la por temer que fazendo isso o homem que amava tanto pudesse passar para o outro lado. Ele a segurou a noite inteira enquanto os dois ficavam à beira do desfiladeiro, cientes de que o passo final estava apenas algumas horas à sua frente.

Com palavras pintadas de preto por causa de sua perplexidade, ele resumiu os temores que o haviam acompanhado na escuridão. “Sei que tem de acontecer”, disse o filho, olhando para o rosto acinzentado do pai: “s6 não sei a razão,”

O desfiladeiro da morte.

E um lugar desolado. O chão seco está gretado e sem vida. Um sol ardente aquece o vento que ruge sinistramente e atormenta sem piedade. As lágrimas queimam e as palavras saem vagarosamente, à medida que os visitantes do desfiladeiro são forçados a olhar para o barranco. O fundo da rachadura é invisível, o outro lado inacessível. Não se pode deixar de imaginar o que está escondido nas trevas. E você não pode senão querer ir embora.

Você já esteve ali? Já foi chamado para ficar junto à linha fina que separa os vivos dos mortos? Já ficou acordado à noite ouvindo o ruído das máquinas bombeando ar para dentro e para fora dos seus pulmões? Já observou a doença corroendo e atrofiando o corpo de um amigo? Já permaneceu no cemitério muito tempo depois que os outros partiram, olhando incrédulo o caixão que contém o corpo que continha a alma de alguém que não pode acreditar que se foi?

Caso positivo, este desfiladeiro não é então desconhecido para você. Já ouviu o assobio solitário dos ventos. Já ouviu as perguntas penosas “Por quê?” “Com que propósito?” ricochetearem sem resposta pelas paredes do desfiladeiro. Você desprendeu e atirou pedras da beirada, ficando à espera do som delas caírem lá embaixo, o qual nunca chega.

O jovem pai esmagou o cigarro no cinzeiro de plástico. Ele estava sozinho na sala de espera do hospital. Quanto tempo vai levar? Tudo aconteceu tão depressa! Primeiro vieram as notícias do hospital, depois a corrida desesperada para a sala de emergência e a seguir a explicação da enfermeira. “Seu filho foi atropelado por um carro. Ele tem alguns ferimentos graves na cabeça. Está na sala de cirurgia. Os médicos estão fazendo todo o possível”

Outro cigarro. “Meu Deus.” As palavras do pai eram quase audíveis. “Ele só tem cinco anos.”

O fato de ficar à beira do desfiladeiro coloca toda a nossa vida em perspectiva. O que importa e o que não importa é facilmente distinguível. Na beirada do desfiladeiro ninguém se preocupa com salários ou posições. Ninguém pergunta que carro você dirige ou em que bairro você mora. A medida que os humanos que envelhecem ficam junto a esse abismo eterno, todos os jogos e disfarces da vida parecem tristemente tolos.

Tudo aconteceu num instante terrível.

“Onde está a nave?” gritou um engenheiro espacial no Cabo Canaveral.

“Oh, meu Deus!” exclamou um professor que apreciava o espetáculo. “Não permita que aconteça o que eu penso que acabou de acontecer”

A confusão e o horror tomaram conta da nação enquanto nos achávamos à beira do desfiladeiro observando sete de nossos melhores astronautas se desintegrarem diante de nossos olhos quando a nave explodiu numa bola de fogo branca e alaranjada.

Mais uma vez fomos lembrados de que mesmo o melhor da nossa tecnologia continuava sendo tremendamente frágil.

É possível que eu esteja me dirigindo a alguém que se ache na beira do desfiladeiro. Alguém que você amava muito foi chamado para o desconhecido e você está só. Só com seus temores e dúvidas. Se for este o caso, por favor leia o restante do livro cuidadosamente. Observe detalhadamente a cena descrita em João 11.

Nesta cena há duas pessoas: Marta e Jesus. E para todos os propósitos práticos eles são as duas únicas pessoas no universo.

As palavras dela estavam cheias de desespero, “Se estiveras aqui…” Ela olha para o Mestre com os olhos cheios de perplexidade. Mostrara-se forte até então, mas agora a dor ressurgira em toda a sua plenitude. Lázaro estava morto. Seu irmão se fora. E o único homem que poderia ter mudado as coisas não aparecera. Não chegara nem mesmo para o funeral. Alguma coisa na morte nos leva a acusar Deus de traição. “Se Deus estivesse aqui não haveria morte!” clamamos.

Veja bem, se Deus é Deus em qualquer parte, ele tem de ser Deus em face da morte. A psicologia popular pode tratar da depressão. A conversa estimulante pode tratar do pessimismo. A prosperidade vence a fome. Mas só Deus pode tratar de nosso dilema final — a morte. E só o Deus da Bíblia teve a ousadia de ficar na beira do desfiladeiro e oferecer uma resposta. Ele tem de ser Deus em face da morte. Caso contrário, não é Deus em lugar algum.

Jesus não ficou zangado com Marta. Talvez fosse a sua paciência que a fez mudar de tom, da frustração para a sinceridade. “Tudo quanto pedirdes a Deus, Deus to concederá”.

Jesus fez então uma das afirmações que o colocam no trono ou no asilo: “Teu irmão há de ressurgir”.

Marta não compreendeu. (Quem compreenderia?) “Eu sei que ele há de ressurgir na ressurreição, no último dia.”

Não era esse o sentido das palavras de Jesus. Não perca a idéia do contexto das próximas palavras. Imagine a cena: Jesus invadiu o campo do inimigo. Ele está em território de Satanás, o Desfiladeiro da Morte. Seu estômago se revolta ao sentir o cheiro terrível de enxofre do ex-anjo, e estremece ao ouvir os gemidos pungentes dos que estão encerrados na prisão. Satanás esteve aqui. Ele violou uma das criações de Deus.

Com o pé plantado sobre a cabeça da serpente, Jesus fala alto o bastante para suas palavras ecoarem pelas paredes do desfiladeiro.

“Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá; e todo o que vive e crê em mim, não morrerá, eternamente” (Jo 11.25).

É um ponto crítico na história. Abriu-se uma brecha na armadura da morte. As chaves para os portais do inferno foram reclamadas. Os abutres se dispersam e os escorpiões correm velozes quando a Vida confronta a morte — e vence! O vento pára. Uma nuvem esconde o sol e um pássaro chilreia na distância enquanto uma víbora humilhada rasteja entre as rochas e desaparece no solo.

O cenário foi montado para um confronto no Calvário.

Mas Jesus não terminou ainda sua conversa com Marta. Com os olhos fixos nos dela ele faz a maior pergunta encontrada nas Escrituras, uma pergunta dirigida tanto a você e a mim como a Marta. “Crês isto?” Aí está ela. A última linha. A dimensão que separa Jesus de milhares de gurus e profetas que surgiram. A pergunta que leva todo ouvinte responsável à obediência absoluta ou à total rejeição da fé cristã. “Crês isto?”

Deixe que a pergunta entre em seu coração por um momento. Você acredita que um itinerante jovem e sem dinheiro seja maior do que a sua morte? Você acredita sinceramente que a morte nada mais é do que uma rampa de acesso para uma nova estrada?

“Crês isto?”

Jesus não fez essa pergunta como um tópico para discussão nas escolas dominicais. Ela jamais foi proferida para ser tratada enquanto se aproveita o sol que entra pelo vitral ou enquanto ficamos sentados nos bancos confortáveis.

Não. Esta é uma pergunta do desfiladeiro. Uma indagação que só faz sentido durante uma vigília noturna ou no silêncio de salas de espera enfumaçadas. Uma pergunta que faz sentido quando todos os nossos apoios, muletas e fantasias foram removidos. Pois então temos de enfrentar a nós mesmos como realmente somos: seres humanos desnorteados correndo em direção ao desastre. E somos forçados a vê-lo segundo aquilo que afirma ser: nossa única esperança.

Tanto por desespero como por inspiração, Marta disse sim. Ao estudar o rosto bronzeado daquele carpinteiro Galileu, algo lhe disse que provavelmente jamais chegaria mais perto da verdade do que estava então. Ela deu-lhe assim a mão e permitiu que a levasse para longe do desfiladeiro.

“Eu sou a ressurreição e a vida. Crês isto?”



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Copyright © 1987 Max Lucado. Todos os direitos reservados. Reproduzido com a devida autorização.

O livro de Max Lucado do qual este capítulo foi extraído,
“Deus Chegou Mais Perto”, pode ser encomendado da Editora Vida Cristã selecionando a capa do livro ao lado:

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