Volte Para Casa

de Max Lucado

Inglaterra. Século dezenove. Natal. Numa pequena cidade, existe a tradição de uma festa geral na qual todas as crianças recebem presentes. E uma ocasião festiva; os sorrisos alegres dos pequeninos, uma árvore alta na praça, pacotes coloridos. Existe um rapaz retardado na cidade que, devido à sua deficiência, é vítima de muitas brincadeiras cruéis. A peça que lhe pregam nesse dia de Natal é a mais cruel de todas.

À medida que a montanha de presentes vai ficando menor e menor, seu rosto vai ficando mais e mais comprido. Ele é velho demais para um presente, mas não sabe disso. Seu coração infantil está pesado enquanto ele observa todos receberem presentes, menos ele próprio. Então alguns dos meninos vêm a ele com um presente. O seu é o último debaixo da árvore. Seus olhos dançam enquanto ele olha o pacote vistosamente embrulhado. Sua excitação aumenta quando arranca as fitas. Seus dedos se atropelam para rasgar o papel. Mas quando ele abre a caixa, seu coração afunda.

Está vazia.

O embrulho era atraente. As fitas eram vivamente coloridas. O exterior era suficiente para fazê-lo chegar ao interior; mas quando ele chegou ao interior, a caixa estava vazia!(1)

Você já esteve nessa situação alguma vez?

Muitas pessoas estiveram.

Uma jovem mãe chora silenciosamente em seu travesseiro. Toda a vida ela havia sonhado com o casamento. “Se apenas eu pudesse ter um lar. Se apenas pudesse ter um marido e uma casa.”

E, assim, agora está casada. A lua-de-mel acabou-se há muito tempo. O túnel que ela escavou para sair de uma prisão apenas levou a outra. Seu país encantado tornou-se um país de fraldas sujas, dificuldades de transporte e contas.

Ela partilha a cama com um marido a quem não ama. Ouve o sono calmo de uma criança que não sabe como criar. E sente a areia de sua juventude escoar-lhe por dentre os dedos.

Um homem de negócios de meia idade senta-se em seu luxuoso escritório, olhos fixos fora da janela, sem nada ver. Um carro esporte vermelho alemão espera por ele no estacionamento. Há um anel de ouro em seu dedo e um cartão de crédito dourado em sua carteira. Seu nome está gravado em metal numa porta de nogueira e numa escrivaninha de nogueira. Seu terno é feito por alfaiate. Seus sapatos são costurados a mão, seu nome é bem conhecido. Ele devia ser feliz. Possui tudo o que se dispôs a obter quando se postou ao pé da escada olhando para cima. Mas agora que tem o que deseja, ele não mais o deseja. Agora que está no topo da escada, vê que esta encontra-se encostada no prédio errado.

Ele deixou a jovem esposa submersa na poeira de sua ambição. As crianças que o chamavam de papai já não o chamam de papai; têm um novo pai. E embora possua tudo que o sucesso oferece, ele o trocaria para ter um lar ao qual pudesse retornar nessa noite.

Já contei os buracos nas placas do teto cem vezes.” A voz tremeu a despeito de uma tentativa de parecer estável. “Dizem que ficarei engessado seis semanas. Também dizem que tenho sorte em estar vivo.”

Sua voz mal podia ser ouvida através da máscara de oxigênio. A pele de sua testa e do nariz estava esfolada. “Eles ficam perguntando do que me lembro. Nem mesmo me lembro de ter entrado no carro, quanto mais de dirigi-lo. Eu jamais havia experimentado craque antes. Acho que tomei demais. Pensarei antes de experimentá-lo novamente. Na verdade, parece que vou ter tempo mais do que suficiente para pensar.”

Nenhuma brincadeira. Nenhum barulho. Nenhuma luz piscando. Seus sonhos se tornaram realidade, mas em vez de o deixarem dormir, estão fazendo com que fique acordado. O que você faz numa hora dessas? Aonde você vai quando o desfile pára? Seus fracassos sugam o alicerce arenoso do seu futuro, arrancando-o de sob você. E agora, o que fazer?

Pode culpar o mundo. O filho pródigo podia ter feito isso. De fato, provavelmente foi o que fez (Lucas 15:11-27).

O rapaz mirou o seu reflexo na poça enlameada. Ele questionou se o rosto era realmente seu. Não se parecia consigo.

A chama dos olhos estava agora apagada. A risadinha irônica havia sido humilhada. A atitude leviana dera lugar à sobriedade.

Ele revirou de ponta-cabeça e aterrissou de cara no chão.

Não bastava estar sem amigos. Não bastava estar sem um tostão. Não bastava penhorar seu anel, seu casaco, até mesmo os sapatos. As longas horas de perambulação pelas ruas não o quebraram. Você poderia pensar que as noites passadas com apenas um travesseiro de alojamento ou os dias passados arrastando um balde de lavagem forçariam uma mudança no coração.

Mas não. O orgulho é feito de pedra. Fortes batidas podem lascá-lo, mas é necessário o malho da realidade para quebrá-lo.

O dele estava começando a rachar.

Os primeiros dias de miséria foram provavelmente cheios de vapor do ressentimento. Ele estava bravo com todos. Todos tinham culpa. Seus amigos não deviam tê-lo abandonado. E seu irmão devia vir e livrá-lo. Seu patrão devia alimentá-lo melhor e seu pai jamais devia tê-lo deixado partir em primeiro lugar.

Ele deu aos porcos os nomes de cada um deles.

O fracasso convida a apontar o dedo e passar adiante a responsabilidade. A pessoa pode estar sem dinheiro, sem emprego e sem amigos, mas jamais estará sem alguém a quem culpar.

Às vezes é a família:
“Se meus pais tivessem levado mais a sério a sua tarefa…”
“Se meu marido não fosse tão egoísta…”
“Se meus filhos tivessem algum respeito por mim…”
“Se me tivessem ensinado a usar o peniquinho mais cedo…”

As vezes é o sistema:
“Ninguém pode tirar nota boa nesta escola!”
“Se me tivessem dado uma oportunidade igual, eu teria sido promovido.”
“Este lugar está todo `arranjado’.”
“Não há como alguém possa subir nesta vida.”

Até mesmo a igreja já foi responsabilizada por algumas coisas.
“Oh, eu freqüentaria a igreja, mas você sabia que fui à igreja uma vez em 1958 e ninguém veio me visitar?”
“Aquele grupo de gente? Um bando de hipócritas.”
“Tenho planos de voltar para a igreja. Assim que eu encontre uma que esteja ensinando a doutrina certa, abrigando todos os desabrigados, alimentando todos os doentes e dando prêmios de assiduidade, então voltarei.”

Logo, você está certo e os demais errados. Você é a vítima e o mundo é o seu inimigo.

Uma segunda opção é a de continuar as brincadeiras, só que desta vez com um pouco mais de abandono.

Minha esposa tem um primo chamado Rob. Rob é um ótimo sujeito. Seu bom coração e sorriso amistoso o tornam querido de todos. Ele é o tipo de pessoa a quem você pode recorrer quando não pode apelar para mais ninguém.

Assim, quando as Bandeirantes precisaram de alguém que se fantasiasse de monstro numa festa para arrecadar fundos, quem foi que chamaram? Acertou. Rob.

Mas houve alguns problemas. Primeiro, ninguém previu que o dia da campanha estaria tão quente. Segundo, Rob não sabia que a fantasia seria tão grande. Terceiro, quem teria imaginado que os óculos de Rob embaçariam tanto que ele não conseguiria enxergar? Enquanto ele estava sentado no palco esperando sua vez de falar, o calor dentro da máscara cobriu-lhe os óculos de vapor. Ele não os podia limpar — as patas eram grandes demais para caber no buraco dos olhos.

Ele começou a ficar preocupado. A qualquer momento seria chamado para fazer uma palestra e não podia, nem mesmo, ver onde estava o palco!

Assim, sussurrou pedindo ajuda. A fantasia era espessa demais e seus apelos não foram ouvidos.

Ele começou a abanar as mãos. O que ouviu em resposta foram gritinhos de alegria das crianças. Acharam que ele acenava para elas!

Ao ouvir essa história, ri. . . e depois suspirei. Era conhecida demais. Pedidos de ajuda abafados atrás de rostos fantasiados? Medo escondido atrás de um sorriso pintado? Sinais de desespero confundidos com sinais de alegria?

Diga-me se isso não descreve o nosso mundo.

Desde que Eva costurou as folhas de figueira para cobrir Adão, temos estado a disfarçar as nossas verdades.

E ficamos melhor a cada geração.

A criatividade de Michelangelo não é nada se comparada à maneira como um homem calvo usa alguns poucos fios de cabelo. O mago Merlin ficaria espantado com a nossa capacidade de apertar uma cintura de lenhador em calças tamanho bailarina.

Somos mestres em disfarces. Carros são dirigidos para impressionar. Calças jeans são compradas para retratar uma imagem. Sotaques são adquiridos para esconder uma herança. Nomes importantes são mencionados. Pesos são levantados. Lorotas são contadas. Brinquedos são comprados. Conquistas são professadas.

E ignoramos a dor. E, com o tempo, o verdadeiro eu fica esquecido.

Os índios costumavam dizer que dentro de cada coração existe uma faca. Essa faca anda como a mão que marca os minutos num relógio. Toda vez que o coração mente, a faca gira um pouco. Ao girar, ela corta o coração. Ao girar, ela entalha um círculo. Quanto mais ela gira, mais amplo se torna o círculo. Após a faca ter girado uma volta completa, uma trilha foi recortada. O resultado? Nada resta da dor, nada resta do coração.

Uma escolha que o rapaz no chiqueiro dos porcos tinha era a de voltar ao baile de máscaras e fingir que estava tudo bem.

Ele podia ter recortado sua integridade até a dor desaparecer. Poderia ter feito o que fazem milhões de pessoas. Poderia ter passado toda uma vida no chiqueiro fazendo de conta que era um palácio. Mas não foi o que fez.

Algo lhe disse que esse era o momento da verdade e para a verdade.

Olhou na água. O rosto que viu não era bonito — enlameado e inchado. Ele desviou os olhos. “Não pense nisso. Você não é pior do que os outros. As coisas vão melhorar amanhã.”

As mentiras antecipavam um ouvido receptivo. Sempre o haviam encontrado antes. “Não desta vez”, murmurou ele. E mirou o seu reflexo.

– Quão baixo caí.

Suas primeiras palavras da verdade.

Ele olhou dentro dos próprios olhos. Pensou em seu pai. — Sempre disseram que eu tinha os seus olhos.

Podia ver a mágoa no rosto do pai quando lhe havia dito que estava de partida.

– Quanto devo tê-lo magoado.

Uma rachadura ziguezagueou através do coração do rapaz.

Uma lágrima pingou na poça. Outra logo se seguiu. Depois outra. Então o dique rompeu-se. Ele enterrou o rosto nas mãos sujas enquanto as lágrimas fizeram o que lágrimas fazem tão bem: limparam-lhe a alma.

Seu rosto ainda estava molhado quando ele se sentou perto do charco. Pela primeira vez em muito tempo pensou no lar. As lembranças aqueceram-no. Lembranças de risos em torno da mesa do jantar. Lembranças de uma cama quentinha. Lembranças de noites na varanda com o pai enquanto ouviam o som hipnótico dos grilos.

– Pai. Ele disse a palavra em voz alta enquanto olhava para si mesmo. — Costumavam dizer que eu era parecido consigo. Agora o senhor nem mesmo me reconheceria. Puxa vida, dei com os burros n’água, não dei?

Ele ergueu-se e pôs-se a andar.

A estrada que levava de volta ao lar era mais longa do que se lembrava. Na última vez que viajara por ela, seu estilo havia feito cabeças voltarem-se. Se fizesse cabeças se voltarem dessa vez, seria por causa do seu fedor. Suas roupas estavam rasgadas, o cabelo emaranhado, os pés pretos. Mas isso não o incomodava porque, pela primeira vez em todo um calendário de sofrimentos, ele estava com a consciência limpa.

Estava voltando ao lar. Voltava ao lar como um homem transformado. Não exigindo receber o que merecia, mas disposto a aceitar qualquer coisa que pudesse receber. “Dê-me” havia sido substituído por “ajude-me”, e sua rebeldia havia sido substituída pelo arrependimento.

Voltou pedindo tudo, nada tendo para dar em troca. Não tinha dinheiro algum. Não tinha desculpa alguma.

E não tinha a menor idéia de quanto o pai havia sentido a sua falta.

Não tinha a menor idéia do número de vezes em que o pai se havia detido entre duas tarefas a fim de espiar pelo portão da frente a ver se enxergava o filho. O rapaz não tinha a menor idéia do número de vezes em que o pai havia acordado de um sono inquieto, ido ao quarto do filho e sentado na cama do rapaz. E o filho jamais teria acreditado nas horas em que o pai havia-se sentado na varanda, próximo da cadeira de balanço vazia, olhando, anelando por ver aquele vulto conhecido, aquele andar aquele rosto.

Enquanto o rapaz fazia a curva que levava à casa, ensaiava mais uma vez o que iria dizer.

“Pai, pequei contra os céus e contra ti.”

Ele aproximou-se do portão e colocou a mão na tranca. Começou a levantá-la, depois se deteve. O plano de ir para casa subitamente parecia tolo. “O que adianta?”, ele ouviu-se perguntando a si mesmo. “Que chance tenho?” Inclinou a cabeça, voltou-se e começou a se afastar.

Então ouviu os passos. Ouviu as batidas de sandálias. Alguém estava correndo. Ele não se voltou para olhar.É provavelmente um empregado vindo me afugentar ou meu irmão mais velho querendo saber o que estou fazendo de volta à sua propriedade. Começou a afastar-se.

Mas a voz que ouviu não era a voz de um empregado nem a voz do irmão; era a voz do pai.
– Filho!
– Pai?

Ele virou para abrir o portão, mas o pai já o tinha aberto. O filho olhou o pai parado na entrada. Lágrimas brilhavam em suas faces enquanto braços se estendiam do leste ao oeste convidando o filho a vir para casa.

– Pai, pequei… As palavras foram sufocadas enquanto o rapaz enterrava o rosto no ombro do pai.

Os dois choraram. Por uma eternidade, ficaram junto ao portão entrelaçados como se fossem um. As palavras eram desnecessárias. O arrependimento havia ocorrido, o perdão havia sido concedido.

O rapaz estava em casa.

Se existe uma cena nesta história que merece ser emoldurada, é a do pai com as mãos estendidas. Suas lágrimas comovem. Seu sorriso emociona. Mas suas mãos nos chamam ao lar. Imagine essas mãos. Dedos fortes. Palmas enrugadas com as marcas da vida. Abertas, estendidas como um largo portão, deixando a entrada como única opção.

Quando Jesus contou essa parábola do pai amoroso, pergunto-me, será que ele usou as mãos? Quando chegou a esse ponto na história, será que abriu os braços para ilustrar o que dizia?

Será que ele percebeu os pensamentos daqueles na audiência que estavam refletindo deste modo: “Eu jamais poderia ir para casa. Não depois da vida que tive”? Será que ele viu uma dona de casa olhar para o chão e um homem de negócios sacudir a cabeça como que a dizer: “Não posso começar de novo. Fiz uma embrulhada grande demais”? E será que ele abriu os braços mais ainda como que a dizer: “Sim. Pode, sim. Pode vir para casa”?

Se ele fez ou deixou de fazer isso aquele dia, não sei. Mas sei que o fez mais tarde. Ele estirou as mãos tanto quanto pôde. Forçou os braços a se abrirem tanto que doeu. E para provar que esses braços jamais se cruzariam e que essas mãos jamais se fechariam, ele fez com que fossem pregados abertos.

Ainda estão assim.

1. Essa história é popularmente atribuída a Harry Emerson Fosdick.



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O livro de Max Lucado do qual este capítulo foi extraído,
“Seis horas de uma sexta-feira”, pode ser encomendado da Editora Vidaselecionando a capa do livro ao lado:

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