Alguns se preocupam que a interpretação da Bíblia poderia dar margem a idéias humanas.

 

Uma outra preocupação de pessoas que resistem à idéia de que a Bíblia precisa ser interpretada é a de que o processo de interpretação da Bíblia poderia dar margem a idéias humanas. Há motivos para esta preocupação. Quem conhece um pouco da história sabe que várias vezes a Palavra de Deus foi manipulada para apoiar as mais diversas vontades humanas. Desde as cruzadas da época medieval, passando pelas interpretações equivocadas daqueles que apoiavam a escravidão baseado-se em textos bíblicos, e chegando até os dias de hoje, com seitas que enganam e acabam até levando à morte seus fiéis, temos razão em nos preocupar com a deturpação da Palavra de Deus.

 

O apóstolo Pedro demonstrou que até nos tempos dele havia necessidade de cuidado na interpretação da Palavra.

 

Por essa razão, pois, amados, esperando estas coisas, empenhai-vos por serdes achados por ele em paz, sem mácula e irrepreensíveis, e tende por salvação a longanimidade de nosso Senhor, como igualmente o nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada, ao falar acerca destes assuntos, como, de fato, costuma fazer em todas as suas epístolas, nas quais há certas coisas difíceis de entender, que os ignorantes e instáveis deturpam, como também deturpam as demais Escrituras, para a própria destruição deles.  2 Pedro 3:14-16

 

É possível que alguém imponha sobre a Bíblia sua própria vontade. É possível, e não muito difícil para quem é esperto, enganar muitas pessoas quanto a estranhas interpretações da Bíblia. Mas, o problema não é com a interpretação em si, mas que a Bíblia foi mal interpretada e mal aplicada. E toda má aplicação da Bíblia tem que partir de uma má interpretação. A única defesa contra estes perigos é a interpretação correta da Palavra de Deus.

              

De fato, a única defesa segura contra a possibilidade de impor sobre a Bíblia as nossas idéias humanas é buscar saber como interpretá-la corretamente. Isto necessariamente é um processo que envolve muita aprendizagem e pesquisa sobre a língua, cultura e costumes da época em que ela foi originalmente escrita. É também indispensável o estudo e o conhecimento da natureza da comunicação escrita e verbal, e as regras básicas de como idéias são comunicadas ou transmitidas de pessoa para pessoa, de grupo para grupo.

 

Tudo isso envolve um processo de alto respeito pela integridade da mensagem em sua forma original. Requer bastante trabalho e humildade da nossa parte de modo que alcancemos o alvo de extrair dele a mensagem que Deus originalmente planejou.

 

Embora as preocupações de alguns possam ter uma base legítima, devemos reconhecer que a Bíblia precisa ser interpretada. Mais precisamente, conforme nossa definição, nós precisamos ser preparados para entendê-la. Também devemos reconhecer que a Bíblia, embora em parte clara e simples de entender, em outras partes é uma obra que possui barreiras naturais devido à sua origem cultural e histórica, bem como à complexidade de algumas das verdades que ela nos transmite. Ressaltamos que, com tudo isso, estamos afirmando que o que é falho é a nossa mente e não a Palavra de Deus,  que é perfeita e servirá sempre como o instrumento fiel da comunicação da vontade de Deus para o homem.

 

 

A Própria Bíblia Contém Interpretações

Temos raciocinado sobre alguns motivos das pessoas que afirmam que a Bíblia não precisa ser interpretada. Concluímos que estes motivos, embora tenham uma certa lógica, não levam em consideração outros aspectos do processo da transmissão de uma mensagem escrita como a Bíblia é. Devemos porém, com todo respeito por aqueles que ainda duvidam, procurar no lugar mais importante respostas a nossa pergunta inicial. Será que a Bíblia precisa ser interpretada?

 

O lugar mais importante para buscar a nossa resposta se encontra, logicamente, na própria Bíblia. Vamos ver a seguir que há indícios claros e objetivos no sentido de que Deus sabia que sua Palavra precisaria ser interpretada.

 

O próprio começo do primeiro evangelho contém uma interpretação. O Evangelista cita a profecia de Isaías 7:14 a respeito do nascimento do Messias e acrescenta uma frase significante: “Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, e ele será chamado pelo nome de Emanuel (que quer dizer: Deus conosco). – Mat. 1:23.

 

A passagem original de Isaías não contém a tradução da palavra Emanuel. Isto foi acrescentado depois por Mateus. Acreditamos que Mateus foi inspirado pelo Espírito quando ele acrescentou esta explicação e presumimos que ele não queria nos induzir a crer que isso fosse parte do texto original. Mas, ainda é verdade que o que ele acaba de acrescentar aqui é uma interpretação. Embora na forma de uma tradução, isto ainda é uma interpretação.

 

De fato, a frase “que quer dizer”  ocorre diversas vezes no NT geralmente em relação à tradução de uma frase ou palavra do hebraico ou aramaico: (Veja: Mat 1:23; 27:33; Mar 5:41; 15:22; 15:34; João 1:38; 1:41; 1:42; 9:7; 20:16; Atos 4:36; 9:36). Esta frase é uma característica do evangelho de João, ocorrendo cinco vezes.

 

Ø      Os evangelhos dizem que Jesus falou por “figuras” ou em parábolas Mat 13:34; Mc 4:33-34; João 16:25.

Ø      Jesus teve que interpretar ou explicar varias vezes parábolas ou outras coisas que ele disse para os discípulos: Mat 13:36; 15:15 Mc 4:34; Luc 24:27; João 16:17-20, 29.

Ø      Jesus criticou os líderes religiosos por não compreenderem o significado de certas idéias ou frases: Mat 9:13; 12:27.

Ø      Paulo mostrou a necessidade de interpretar: 1 Cor 2:13-14.

 

 

A Chave do Contexto

Vamos ver como uma só letra pode mudar o sentido de uma frase, e como a mesma frase pode ter vários sentidos.

 

Pense sobre as seguintes frases:

1. “Ele está dando bola a ela.”

2. “Ele está dando a bola a ela.”

 

O que significa frase n0 1.?

O que significa frase n0 2.?

 

Como você definiria “bola” na frase n0 1.?

Como você definiria “bola” na frase n0 2.?

 

A palavra “bola” não pode ser definida ou entendida isoladamente. Ela tem que ser compreendida como parte da frase “dando bola”. Se tentarmos definir “bola” isoladamente é bem provável que vamos perder o sentido original. Alguém que não conhece bem a gíria contemporânea, ou expressões idiomáticas brasileiras dos anos ‘80 e ‘90 poderia pensar que a frase está simplesmente gramaticalmente errada, faltando um artigo antes da palavra “bola”.

 

Notamos que “bola” na frase n0 1 pode ser traduzida de três formas:

Ø      “paquera” – “Ele está paquerando ela”

(Neste caso seria uma moça ou mulher em quem o sujeito está mostrando interesse.)

Ø      “veneno” – “Ele está dando veneno a ela”

(Neste caso “ela” seria uma cadela e “bola” teria o significado de veneno para cachorros.)

Ø      “suborno” – “Ele está dando suborno a ela.”

(Neste caso “ela” seria um guarda de trânsito ou outra autoridade e “bola” teria o significado de suborno.)

 

Na segunda frase, entendemos naturalmente que a palavra “bola” provavelmente se refere a um objeto esférico, provavelmente de borracha ou couro. Sem ver mais detalhes, é provável que concluímos que se trata de um jovem e uma moça ou um homem e uma mulher envolvidos num jogo com uma bola. Mas, até a idade das pessoas, e o tipo de objeto (uma bola de basquete, de futebol, ou de tênis?) são desconhecidos sem maiores detalhes.

 

Somente na primeira frase podemos ver três significados diferentes, cada um deles inteiramente legítimos, mas cada um completamente diferente. Como é que vamos saber qual o significado verdadeiro? Temos que olhar o contexto, as frases que vêm antes e depois. Temos que ver de qual assunto o autor está tratando. Com isso vemos como o sentido de não somente uma palavra, mas de uma frase inteira pode mudar tanto, embora tratemos das mesmas palavras na mesma seqüência, na mesma forma.

 

 

Observamos que a definição da palavra nestas duas frases não tem a ver com sua etimologia em si. Ou seja, a palavra “bola” não é definida pela sua raiz. Ela é definida pelo contexto.

 

Observamos também que o significado da palavra nas duas frases é determinado por uma simples letra. O uso ou não de um simples artigo como “a” pode mudar completamente a definição de uma palavra e o significado de uma frase inteira.

 

Frase n0 1. seria uma ação de curta ou longa duração?

(Pode ser os dois, dependendo do sentido de “bola”. Se for o sentido de paquerar, pode ser algo de longo prazo, pelo menos de alguns dias.)

 

Frase n0 2. seria uma ação de curta ou longa duração?

(Provavelmente seria algo de curta duração, já que aparentemente se trata de uma ação com objetos físicos, ou seja, uma bola de futebol ou basquete.)

 

Notamos que embora o verbo esteja no presente indicativo na frase no 1. ele pode significar tanto uma ação de curta ou longo prazo. Porém na frase n0 2. é implícito uma duração de curto prazo. Mais uma vez, vemos como o contexto muda não somente o significado de um substantivo, como também o sentido de um verbo. Todo o sentido da frase muda por causa de uma simples letra.

 

Vale a pena observar que não estamos tratando aqui de uma frase complicada no meio de um obscuro  texto bíblico. Estamos tratando de uma frase comum na língua portuguesa atual, usando uma expressão contemporânea.

 

Agora, imagine que você é um estrangeiro apenas aprendendo a língua portuguesa. Você não sabe o significado da expressão idiomática “dando bola”. Quais poderiam ser suas conclusões sobre o sentido destas duas frases? Você teria condições de logo imaginar todas os possíveis significados desta frase? Se a frase estivesse no meio de um texto que se refere a algo no passado sobre o qual você sabe muito pouco, você teria um grande desafio pela frente para compreender o que o autor estava dizendo. [Veja o exemplo do “homem da iniqüidade” e a referência de Paulo àquilo que ele “costumava dizer” em 2 Tess 2:5-6.]

 

Todo leitor e estudioso da Bíblia precisa fazer decisões a respeito do significado de palavras e frases. Estas decisões são informadas pelo contexto imediato e pelo uso comum das mesmas palavras em outras obras escritas na mesma época. Mesmo lendo a Bíblia em português, o leitor precisa de esforço e ajuda para poder compreender as expressões e o vocabulário, a linguagem e a cultura, de um obra escrita há mais de dois mil anos atrás e milhares de quilômetros distante. Necessariamente ele vai ter que interpretar aquilo que está lendo, juntando todas estas informações e aplicando-as ao texto bíblico.

 

 

Conclusão

Vimos algumas preocupações sinceras a respeito da interpretação da Bíblia. Algumas pessoas temem que, ao admitir que a Bíblia precisa ser interpretada, elas podem dar espaço a erros como a imposição de intermediadores oficias, ou chegar à conclusão de que a Bíblia esteja de alguma forma imperfeita. Outros se preocupam com a possibilidade de que homens possam impor suas idéias particulares no processo da interpretação. Concluímos que o processo da interpretação é necessário, mesmo para quem vivia naquela época e podia ler a Bíblia na linguagem original. Vimos também que a única segurança que temos contra o abuso na interpretação é o uso de princípios sólidos para nos auxiliar neste processo. Deus permitindo, no site da hermenêutica iremos proporcionar princípios e estudos que ajudarão o leitor a melhor interpretar a Bíblia. É nosso objetivo também indicar outras fontes na forma de dicionário, léxicos e outras obras que ajudarão a interpretar a Palavra de Deus com cada vez mais precisão.

 

Devemos lembrar que a melhor ferramenta para resguardar nosso estudo da Palavra de Deus é o conhecimento não de uma obra escrita, mas de uma pessoa – a pessoa de Jesus Cristo. Certa vez Jesus alertou as pessoas religiosas de seu dia quanto ao perigo de tentar conhecer a Palavra sem conhecer o Autor.

 

Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim. Contudo, não quereis vir a mim para terdes vida. – João 5:39-40

 

Às vezes pessoas pensam que não conhecem Jesus porque não entendem ainda a Bíblia. Talvez, a verdade seja o contrário. Pode ser que não entendemos a Bíblia porque não conhecemos Jesus. Cremos que o conhecimento pessoal de Jesus, a aproximação pessoal a Ele, a plena aceitação dEle como Senhor e Salvador das nossas vidas é o que mais nos dará segurança na interpretação da Bíblia. Tendo este relacionamento íntimo com Jesus, guiados pelo seu Espírito habitando em nós, teremos as melhores condições para compreendermos a vontade de Deus. Ainda nos preparando com boas ferramentas e seguindo princípios sólidos de interpretação, podemos prosseguir com a segurança de que Deus se fará conhecido a nós e nos mostrará o que precisamos entender da sua Palavra. Que Deus esteja conosco nesta missão


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